A decadente indústria de corrida de cachorro

Eu me deparei com os malefícios da indústria de corridas de cachorros há muitos anos atrás, quando assisti o episódio especial de Natal do desenho animado “Simpsons”, onde a família adotou um galgo que foi abandonado por chegar em último lugar em uma corrida. Este cão recebeu o nome de “Ajudante de Papai Noel” e desde então, acompanha a jornada da família

Há mais de treze anos, mudei para o estado da Califórnia, nos EUA, e com isso tive e tenho a oportunidade de acompanhar de perto o ativismo da causa animal que luta para proibir a corrida de cachorros nos EUA e no mundo. Foi no estado da Califórnia, onde a primeira pista de cães de corrida foi construída em 1919. Atualmente, a indústria de corridas de cachorros é ilegal na Califórnia e também em mais de trinta e nove estados dos EUA. No entanto, há ainda nove estados, onde a corrida de galgos não é proibida e cinco deles, há instalações e pistas de corridas de cães. Em 2021, a corrida de cachorros será proibida no estado da Flórida e agora se apresenta em fase de descontinuidade. Observa-se um grande declínio dessa prática ao redor do mundo. Essa queda é resultante do trabalho conjunto de conscientização de diversas organizações com a população.

Conhecendo esse cenário de uma forma muito próxima, fiquei espantada com a notícia da promoção dessa prática no meu país de origem, Brasil. Recentemente, o prefeito da cidade de Bagé, cidade situada no Estado do Rio Grande do Sul, anunciou que vai investir aproximadamente R$ 250.000 em instalações para promover a corrida de cães.  

O intuito desse texto é expor as diversas crueldades com esses cães e com animais de outras espécies que também são vítimas dessa indústria. A conscientização da população é muito importante para o combate dessa prática que está em declínio em muitos países, como os EUA.  

Habilidades dos cães da raça galgo incorporadas nas pistas de corrida

No Novo Mundo, os galgos foram muito utilizados pelos fazendeiros para eliminar lebres e coelhos de suas propriedades. Esses cães têm um conjunto de características que os tornam muito perspicazes em detectar movimento e seu corpo aerodinâmico os torna muito ágeis e rápidos para capturar pequenos animais. Essas habilidades fizeram com que eles fossem incorporados em competições de corrida, onde iscas vivas eram usadas (ainda são usadas, veja essa discussão mais abaixo no texto), e assim perseguidas e mortas de uma forma dolorosa e cruel pelos cães. Alguns estudiosos classificam essa prática como um “esporte de sangue”,  já que sua essência reflete violência, uma vez que envolve perseguições de animais.

Cães e humanos caminham em uma trajetória de maneira coevolutiva. Com o decorrer do tempo, a relação do cão e homem na sociedade moderna foi se moldando. A  percepção dominada pela utilidade econômica e função do cão gradualmente se transformou em uma outra dominada pela percepção de companheirismo. Em relação aos galgos, observamos um tremendo e complexo paradoxo, onde há dois pólos: um deles é representado pelas pessoas que incentivam a indústria de corrida de galgos, e o outro é representado pelos protetores dos galgos, que são pessoas provenientes de vários grupos de defesa animal e apoiadores de programas de adoção desses cães. Dessa forma, o vínculo de um pólo reforça o uso do galgo como instrumento, enquanto o outro, promove o companheirismo. 

Corridas de cães no mundo

Até o momento, Austrália, Irlanda, México, Nova Zelândia, Reino Unido, EUA e Vietnã são os locais onde se encontram as práticas comerciais de corridas de cachorros. Existem 125 instalações para corridas de cachorro pelo mundo. No entanto, as corridas de cachorros também acontecem de uma forma não-comercial em 21 países. A condição de “comercial”, abrange vários critérios como a existência da aprovação de uma lei que autoriza jogos de azar que envolvam a velocidade dos galgos, a existência de uma estrutura regulatória, a presença física de pistas de corrida, taxas cobradas por frequentadores, entre outros. A condição de não-comercial não garante que as apostas não são realizadas. A condição de “comercial” e “não-comercial” também não garante o bem-estar dos animais e a prevenção das crueldades associadas a indústria de corrida de cães. 

Além disso,  é possível acompanhar as corridas e fazer as apostas remotamente em 31 países, sendo que o Brasil está incluído nesta prática. 

Organizações importantes que estão lutando contra a indústria de corridas de cachorros 

Há muitas organizações de defesa animal renomadas internacionalmente que expõem as crueldades e conscientizam a população sobre as crueldades relacionadas às corridas de cachorros. Destaco as ações da GREY2K USA (que tem um papel muito importante na proibição dessa prática nos EUA e foi responsável pelo fechamento de 40 pistas desde seu início de atuação em 2011), ASPCA (veja aqui o relatório da ASPCA de 80 páginas sobre as crueldades de corridas de cachorros), The Humane Society of The United States, RSPCA, Animals Asia e Anima Macau.  

No Brasil, há grupos como Galgo Livre Brasil que está mostrando os diversos problemas associados à criação dessa prática com a crueldade de animais.

Números de galgos criados para corridas

Estima-se que anualmente 42.000 filhotes de galgos são produzidos no mundo, e esse número inclui os milhares que são omitidos dos registros da indústria de corrida de cachorros. Há evidências de que alguns filhotes de galgos desapareceram dos registros. De acordo com os dados “National Greyhound Association”, existem 300 criadores de galgos nos Estados Unidos. As fêmeas são inseminadas e os filhotes com alguns meses de idade tem suas orelhas direitas tatuadas com a data e ordem de nascimento e um número de registro individual é tatuado na orelha esquerda. 

A organização “The Humane Society of The United States” relatou que a criação de cães para corrida aumenta o número de cães abandonados, sobrecarregando o financiamento e assistência destinados aos animais abandonados já existentes nos abrigos.

Criação dos cães em sistema de confinamento

Os galgos permanecem aproximadamente um ano em locais com espaço mínimo, antes de começarem o treinamento de corrida. Muitos deles são mantidos, isolados, em jaulas com dimensões de 92, 92 e 107 cm, por 20 a 23 horas por dia. Muitos deles não são socializados e ainda são desprovidos de caminhar e brincar. 

Acidentes registrados durante as corridas

Durante o período de janeiro de 2010 até dezembro de 2019, foi calculado que aproximadamente mais de 10.000 animais se acidentaram e a ocorrência de 400 mortes durante corridas nos EUA.  As lesões mais comuns foram decorrentes de fraturas das patas. Fraturas da coluna, traumatismo crânio e injúrias decorrentes da eletrocussão também foram documentadas. 

Na Austrália, 8.657 ferimentos e 1.338 mortes foram observados entre o período de janeiro de 2016 a junho de 2019. No Reino Unido, 9.800 feridos e 499 mortes foram registrados entre 2017 e 2018. Já na Irlanda, foram documentados 1.891 cães feridos e 618 fatalidades na pista de corrida durante o período de 2015 a 2019. 

Destino de morrer por não ser rápido o suficiente

Os cães que não são velozes ou tiveram sua habilidade prejudicada por uma lesão grave são removidos da prática da corrida. Para alguns cães sortudos, essa situação pode resultar em reabilitação física e adoção, porém muitos são eutanasiados. Na Austrália, um memorando relatou que cerca de 17.000 galgos saudáveis são eutanasiados anualmente.

Denúncias de crueldade e negligência

Foram documentados inúmeros casos de crueldade e negligência na indústria de corrida de galgos nos EUA. Aproximadamente 30% dos cães sofriam com abuso físico, estavam infestados de parasitas, apresentavam quadros de desnutrição e não recebiam cuidados veterinários.  Em 2012, na Irlanda, seis galgos foram encontrados mortos, após terem sido baleados. O responsável admitiu que planejou eliminar os cães devido ao desempenho desfavorável em nas provas de corrida. Em 2016, galgos foram encontrados dormindo encharcados em sua própria urina e vivendo em condições precárias em instalações nos EUA. 

Doping de galgos para aumentar as chances de um bom desempenho nas corridas

Nas pistas de corrida da Flórida foram registrados 438 casos de uso de drogas nos cães de corrida, sendo que 73 amostras tiveram resultado positivo para cocaína. Verificou-se também o uso de outros medicamentos como, lidocaína e opióides. Esses medicamentos são usados para aumentar o desempenho do animal e diminuir a sensação de dor que afeta negativamente a velocidade do animal. Além disso, relatos indicam que 50% das cadelas recebem anabolizantes. 

Comida e aumento de ingestão de patógenos

Com intuito de redução de custos na manutenção dos animais, os galgos são alimentados com carne crua, considerada imprópria para consumo humano, derivada de animais moribundos e doentes, conhecida como carne 4-D. Com esse tipo de alimentação, os animais possuem mais riscos de serem expostos a patógenos como Salmonella, Campylobacter jejuni e Escherichia coli. Em 2014, nos EUA, foi relatado que dois cães morreram e aproximadamente 100 ficaram doentes, sendo que suspeita foi ingestão de carne contaminada.

Treinamento com isca viva

Estima-se que cerca de 100.000 pequenos animais, principalmente coelhos domésticos e lebres selvagens, são mutilados e mortos de várias maneiras todos os anos. No treinamento com iscas vivas, pequenos animais, geralmente coelhos, são usados para estimular e aumentar o instinto de perseguição. Pequenos animais como coelhos, lebres, gambás e gatos são usados como iscas vivas e são soltos ou pendurados em um poste horizontal, muitas vezes, as pernas dos animais de isca são quebradas propositalmente para que seus gritos estimulem os cães a perseguirem. Os animais que são usados como iscas sofrem mortes cruéis e miseráveis. (veja o video, se tiver coragem!). De acordo com RSPCA, essa prática é ilegal na Austrália

Depoimento de um ex-criador de galgos para corrida: 

“A beleza de se usar gambás e gatos é que eles lutam por suas vidas”

Como ajudar?

Algumas pessoas procuram abrigos especializados em resgates de galgos para adotar um ex-corredor. É importante reconhecer que esses animais precisam de um manejo diferenciado e necessitam de muito exercício para garantir seu bem-estar. Outra questão relevante é a interação desses cães com pequenos animais associada a percepção predador/presa decorrente do treinamento que reforça esse tipo de comportamento. Acidentes fatais podem ocorrer como consequência do encontro de galgos com pequenos animais como: gatos, coelhos, hamsters, furões, entre outros. Você pode ainda ajudar os galgos, doando dinheiro e também fazendo parte da equipe de voluntários. Lista de abrigos de galgos.

Quer ajudar na proibição dessa prática no Brasil e no mundo? Assine as petições, compartilhe informações sobre as crueldades associadas às corridas de cachorros, de apoio às organizações e grupos que estão combatendo as crueldades com os animais e também conscientizando a população sobre as mesmas. A união de várias frentes é essencial para conscientização das pessoas.

Petições:

Greyhounds are racing to their deaths worldwide

Somos contra o Construção de Centro de Convívio de Criadores de Galgos de Bagé

Proibir corridas de galgos no Brasil

Referências:

Clique nos links

Texto: Isabelle Tancioni