Em fevereiro, participamos do curso “Capacitação para um Ativismo Vegano Eficaz“, organizado pela Sociedade Vegetariana Brasileira e realizado nas cidades de Porto Alegre (dias 12 e 14) e de São Paulo (dias 16 e 17). Esse evento teve como objetivo melhorar a comunicação dos ativistas veganos com seus interlocutores.
Os palestrantes foram Melanie Joy, autora do livro “Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas” (lançado no Brasil em 2014) e Tobias Leenaert, autor do livro “How to Create a Vegan World: A Pragmatic Approach” (Como criar um mundo vegano, uma estratégia pragmática, tradução livre em português). Melanie e Tobias ressaltam a importância de se utilizar uma comunicação eficaz, com o objetivo de sensibilizar da sociedade perante um grande número de animais afetados (aproximadamente 70 bilhões por ano!). O trabalho dos palestrantes pode ser conferido nos sites Vegan Advocacy, Beyond Carnism e The Vegan Strategist.
Nós fizemos um resumo das ideias e opiniões colhidas durante as apresentações dos palestrantes e abordamos como podemos aplicar o que aprendemos na nossa trajetória como estudantes e profissionais na área de medicina veterinária.
1) Ajude ONGs e santuários ligados à causa animal.
Há várias formas de ajudar e cada um deve fazer o que está ao seu alcance. Doações de dinheiro a ONGs são muito importantes, pois 5 reais pode fazer uma grande diferença. Se para você é muito difícil doar qualquer quantia, que tal, então, doar seu tempo? Lembre-se que ONGs ligadas a cães e gatos costumam receber mais financiamento e infelizmente santuários, que resgatam animais que são considerados comida por boa parte da sociedade, recebem muito menos.
Que tal conhecer e ajudar também os santuários que resgatam bois, porcos, galinhas, perus, jumentos entre outros animais? Que tal visitar um santuário desses, acompanhado(a) de amigos médicos veterinários – veganos ou não -, que só tenham convivido com tais animais de produção por um breve período, durante a faculdade, nas disciplinas de produção animal? Há inúmeros localizados no Brasil, como Santuário Terra dos Bichos e Santuário das Fadas. Quer ajudar 800 jumentos resgatados? Então, que tal contribuir com a campanha organizada pela Frente Nacional em defesa dos Jumentos?
2) Compartilhe suas experiências e conecte-se com o interlocutor.
A maioria das pessoas não nascem veganas e assim como você, elas podem apresentar dúvidas e obstáculos para se juntar ao veganismo. Portanto, escute o que elas têm a dizer com o intuito de entendê-las e compartilhe também suas experiências. Por exemplo: descreva como foi seu processo e saliente que você também já comeu carne, queijo e ovos. Procure pontos em comum com seu interlocutor e com isso há mais chances de identificação. Destaque os benefícios do veganismo e não os malefícios do carnismo.
Evite promover a ideia que você é superior aos seus colegas que comem carne e se alimentam de produtos que contenham alguma substância proveniente de animais. Dizer que seus colegas são inferiores por salvar alguns animais e comer outros, transmite a ideia de superioridade moral que cria obstáculos na sua comunicação. Ao invés de você se colocar no pedestal, reconheça a importância dos professores, mentores e colegas não-veganos na sua formação. Veterinários são um reflexo da sociedade que está mergulhada no carnismo, termo cunhado pela Melanie Joy. Carnismo é uma crença invisível que nos condiciona a comer certos animais. Isso afeta a psicologia de não-veganos, estabelecendo bloqueios que dificultam essas pessoas de visualizar as razões pelas quais não devemos comer animais.
3) Seja objetivo, escolha materiais que não contenham cenas de violência e saiba quando não interagir.
Uma comunicação eficiente se estabelece pela conversa e não pelo debate. Não precisa ter um vencedor e um perdedor. A ideia é despertar a consciência e cada um tem seu próprio tempo. Evite falar de muitos conceitos e despejar muita informação de uma só vez.
Sabemos como é duro lidar com os nossos traumas vivenciados em consequência da violência provocada aos animais e isso pode refletir na falta de objetividade que interfere com a habilidade comunicativa. Evite um ativismo agressivo, pois afinal, acaba sendo uma forma de violência.
Não promova atividades em que as pessoas testemunhem sofrimento de forma “não intencional” usando cenas de violência. Isso também acaba por ser uma forma de abuso. Há vários documentários e filmes que podem inspirar as pessoas no caminho do veganismo que não contém cenas violentas. Assim, você evita que algumas pessoas se traumatizem. Um grupo de veterinários que atuam em Los Angeles, na Califórnia, exibem o documentário que relata a experiência de pessoas que fundaram santuários e também mostra como elas se envolveram no veganismo. O nome dele é Called to Rescue (Convocado para resgatar, tradução livre em português) e inspira veganos e não-veganos. Antes da sessão, eles oferecem comidas veganas para as pessoas degustarem. Faça a experiência ser prazerosa e promova associações positivas para seu interlocutor (comida vegana deliciosa, ajuda e muito!). Por que não usar técnicas que aprendemos na metodologia Fear Free (Livre de estresse, tradução livre em português) que envolvam reforço positivo também para animais humanos?
Lembre-se que muitos de seus colegas escolheram a veterinária, pois querem trabalhar em algum setor da indústria associada à produção animal. Saiba quando não ser ativista: há pessoas que não estão prontas, não tem empatia e não são receptivas. Evite frustração e gasto de energia. Ponha sua energia em outras pessoas mais receptivas.
4) Pratique um veganismo que promova a inclusão e assim plante sementes.
A divulgação de campanhas que promovem o movimento vegano como: “Segunda sem carne”, “Desafio 21 dias sem carne” e “Veganuary” são muito importantes para incentivar pessoas a conhecerem o veganismo. Que tal divulgar materiais dessas campanhas para seus colegas? Usar a camiseta da campanha “Segunda sem carne” é uma ótima ideia para divulgar a campanha.
A valorização dos simpatizantes é também essencial. Que tal fazer um grupo com seus colegas simpatizantes “Segunda sem Carne”? Elogie seus colegas que estão experimentando o veganismo uma vez por semana, isso pode estimulá-los a continuar. Convide simpatizantes para participar de grupos de discussão que abordem os dilemas éticos na medicina veterinária. Convide seus amigos veganos e simpatizantes para um almoço em um restaurante com pratos veganos deliciosos e promova eventos em sua casa com suas receitas caseiras veganas preferidas.
5) Seja vegano na medida do possível.
Não seja rígido consigo, você irá se frustrar, além de transmitir a mensagem de que o veganismo é difícil. Ninguém vai ganhar a “carteirinha clube vegano diamante” ou vencer o concurso “o mais vegano de todos”. Não é uma competição. Analise as condições de cada um e não cobre aquele amigo que está usando um sapato de couro que muito provavelmente comprou antes de se tornar vegano. Não julgue! Nós veganos já sofremos por sermos minoria e também com o bullying dos amigos. Precisamos exercitar a empatia no nosso próprio movimento.
Você não deixará de ser vegano se alimentar seus cães e gatos com carne ou com rações tradicionais no mercado que contém carne entre outras substâncias de origem animal. O mesmo vale para as vacinas! Aliás, vacinação é muito importante para prevenir doenças que são fatais como a raiva. Há muitos outros dilemas que nós, veganos vivenciamos na prática da medicina veterinária. Nós abordamos muitos desses dilemas em nossas palestras.
6) Cuide de você e tenha um grupo de suporte.
Ativistas podem sofrer emocionalmente e podem até desenvolver “transtorno de estresse pós-traumático” pela exposição à violência que os animais sofrem. Pratique o “ativismo sustentável”: cuide de si em primeiro lugar e evite se expor a cenas fortes. Dê-se permissão para não ser ativista o tempo todo. Evite ser negligente consigo e trabalhe com sua culpa. Quantas vezes caímos o choro por assistir um vídeo na internet contendo cenas de violência e em situações que nos sentimos impotentes? Lembre-se que profissionais de veterinária possuem uma maior taxa de suicídio que a população geral. Se você estiver vivenciando um período difícil, procure ajuda e não se sinta sozinho.
7) Obter conhecimento é essencial!
Há muitos materiais e livros que podem te ajudar na sua jornada ao veganismo. É muito importante saber sobre direitos dos animais. Ter conhecimento sobre outros tipos de repressão existentes em nosso planeta também auxilia a se conectar com outras causas. Tenha pastas contendo artigos científicos que mostram os benefícios do veganismo para saúde e para a preservação do planeta. Para veterinários é essencial entender os diferentes aspectos que estão associados ao vínculo humano-animal, como também ter conhecimento nas áreas de bem-estar e comportamento animal. Além disso, evite usar analogias que não são corretas. Por exemplo: ovo não é menstruação da galinha. Também, verifique a veracidade dos fatos antes de espalhar uma notícia. Uma notícia falsa que é muito disseminada entre nosso meio é: os frangos são tratados com hormônios. Compreender como os animais foram domesticados e como certas características selecionadas são essenciais para entender como as indústrias que criam animais para o comércio funcionam, e também para construir sua argumentação. Que tal formar e participar de grupos de estudos?
Quais são as suas dicas para aumentar a eficiência do ativismo vegano na veterinária? Você tem alguma sugestão? Entre em contato conosco!
Texto: Renato Pulz e Isabelle Tancioni
Aqui estão alguns livros que recomendamos:
Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas