25/11/20

O lugar da “pega do porco” é no passado

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Existem práticas consideradas manifestações culturais que se utilizam de animais, como a chamada “pega do porco”, que ocorrem  em algumas cidades do  estado do Rio Grande do Sul. Essas práticas ocorrem provavelmente em outros estados e também envolvem outras espécies de animais, como a “pega do bode” no nordeste. Essas manifestações culturais são consideradas tradições por muitas pessoas e acabam fazendo parte das comemorações das cidades nas festas típicas. Em geral, representam atividades que eram realizadas pelos imigrantes ou ancestrais daquela comunidade. 

No ano passado tive a oportunidade de participar com parecer médico veterinário afirmando o sofrimento físico e emocional dos suínos nas referidas práticas. O que inclusive caracteriza maus-tratos frente a legislação vigente. Nestas festas ocorrem “brincadeiras” ou “gincanas”, onde os participantes devem correr e apanhar um suíno (em geral filhotes) para ganhar a competição. O evento conta também com torcida e narração entusiasmada ao som de alto-falantes. Ocorre que para o animal aquele evento não é percebido como uma brincadeira, mas sim, como uma ameaça real a sua vida e integridade física. Um evento extremamente estressante emocionalmente e que pela dinâmica da ação pode provocar lesões graves ao animal, pois em geral, são apanhados de qualquer maneira. O suíno é uma espécie com comportamento natural de presa e, por consequência, sofre demasiadamente  com as ameaças ambientais. 

A questão foi judicializada em três cidades (Araricá, Portão e Estrela) com o pedido para que as “provas” não ocorressem, pois poderiam ser facilmente trocadas por outras atividades pelas comissões organizadoras. O judiciário foi sensível aos argumentos legais apresentados por advogados animalistas, além de amparados pelos pareceres  médico-veterinários. Algumas cidades nem recorreram e entenderam que se tratava de um processo de reconhecimento de um movimento sócio-cultural no sentido de respeitar à senciência animal, às leis de proteção animal e à Constituição Federal. A compreensão de que nem toda tradição é moralmente correta e, por vezes, deverá ser repensada frente ao seu tempo. 

Por óbvio, as práticas que envolvem animais de produção, como suínos, bovinos, galinhas e outros, acabaram por causar um certo atraso nesse tipo de reflexão, pois são utilizados como coisas pela maioria das sociedades. As pessoas ainda têm menos empatia ao sofrimento destas espécies, mas ressalte-se que são tão sencientes como o cão e gato que tratamos como membros da família. A Constituição Federal é clara ao vedar as práticas que submetam os animais à crueldade, logo,  o conceito de crueldade contra os animais deve ser revisitado frente aos avanços da ciências biológicas.

Um longo caminho ainda há de ser trilhado, porém esses casos e as respectivas decisões judiciais, certamente, representam o despertar de um novo tempo. 

Texto: Renato Silvano Pulz


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