Como fazer um julgamento moral

Com certeza essa não é uma tarefa fácil, mas será que devemos ceder ao relativismo cultural e aceitar determinadas práticas?

Muitos filósofos afirmam que qualquer regra pode ser quebrada. 

Em um caso emblemático, Kant discutiu o dilema sobre mentir ou não. Defensor da regra absoluta e considerando não mentir um princípio moral absoluto, Kant falou da hipótese envolvendo um assassino à procura de sua vítima e o questionamento para saber por onde a vítima teria ido a um sujeito que a viu passar. Se o sujeito respondesse, a pessoa poderia morrer. Se mentisse, poderia salvá-la. Em sua tese, Kant considerou que a verdade deveria estar acima de tudo, e mesmo que o sujeito dissesse por onde a pessoa teria ido, poderia ser que, quando o assassino a seguisse, ela já tivesse ido embora. Considerou que o fato de contar a verdade poderia não resultar na morte. Afirmou que ser honesto (não mentir) era um valor absoluto e, portanto, não haveria o suposto direito de mentir por questões altruístas. 

Entretanto, outros filósofos consideram haver situações que fogem à regra. Exemplo disso é a hipótese associada à resposta de um comandante de um navio que transporta judeus foragidos do nazismo após ser interceptado por nazistas. Ao ser interrogado por eles, qual seria a resposta certa do comandante sobre as pessoas que estariam? Seria imoral mentir? E, no caso de legítima defesa, matar seria imoral? Há um padrão cultural neutro de certo ou errado? “ (trecho extraído do livro Ética e bem-estar animal. Editora Ulbra, 2013) 

No livro Elementos da Filosofia Moral, o famoso filósofo americano propôs um simples raciocínio que pode ajudar a responder a essa pergunta. No livro o autor explora os casos de práticas culturais extremas como a amputação do clitóris em determinadas sociedades e do infanticídio nos esquimós devem ser levados em consideração o sofrimento causado por determinada prática e se há alguma alternativa viável que pudesse ser utilizada. 

Logo, podemos fazer o mesmo exercício no contexto das relações homem e animais de outras espécies, para tentar responder se algumas práticas em que usamos animais deveriam ser moralmente aceitas ou não. Por exemplo: rodeios e vaquejadas, manutenção de animais em zoológicos, na experimentação, na produção de alimentos, entre inúmeras outras.

Para Rachels devemos fazer duas perguntas: 

  1. A prática, ação ou conduta promove ou impede o bem-estar dos seres afetados por ela? 

  2. Existe alternativa (conduta social) melhor, mais adequada para promover o bem-estar dos afetados? 

O autor sugeriu que, se determinada prática impede o bem-estar dos seres afetados por ela ou causa sofrimento, e se existe uma conduta social alternativa mais adequada para promover o bem-estar desses seres, logo, essa prática é imoral.

Assim, vou dar um exemplo prático em que tive a oportunidade de participar. Aqui no Sul, havia algumas festas em cidades do interior que realizavam um tipo tradicional de “gincana” ou “brincadeira” usando porcos. Essa atividade solta o animal e a pessoa corre atrás para pegá-lo. Uma ação na justiça pediu que a prática fosse proibida embasada em um parecer veterinário de que a prática causava sofrimento físico e emocional aos suínos e que poderia ser realizada outra brincadeira mais lúdica no lugar. O pedido foi aceito e a prática substituída pela prefeitura.

Enfim, se considerarmos que muitas práticas em que usamos as várias espécies de animais causam sofrimento físico ou emocional e pensarmos que praticamente todas as formas de exploração animal podem ser facilmente substituídas, podemos concluir que são imorais, apesar de socialmente aceitas. Afinal, nem tudo que é tradição, ciência ou rentável é moral.  

Texto: Renato Silvano Pulz